sexta-feira, 27 de agosto de 2010

2. A PRIMEIRA REAÇÃO DOS AERONAUTAS

Face à proposição do Deputado Rocha Loures, nós, aeronautas resolvemos reagir e mostar que não estamos tão inertes e em sono profundo quanto se pensa. 

Assim, o grupo AVIAÇÃO COM ÉTICA fez um abaixo assinado e que já conta com quase quatro mil assinaturas até o presente momento, e que pode ser acessado pelo link : http://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/6595

Em diversos fóruns tivemos o apoio em massa dos aviadores, embora alguns pilotos, ainda desconhecedores do real desastre que tal mudança pode acarretar, ainda ficaram meio na dúvida.


Parlamentares sensíveis à nossa causa e comprometidos com a integridade da categoria partem em nossa defesa!

Logo após o início do abaixo-assinado, começamos a receber apoio de alguns parlamentares que, indignados com a proposta, imediatamente se posicionaram contra ela, entendendo pelo nosso ponto de vista que sua aplicação poderá comprometer tragicamente toda uma categoria profissional.

A fim de saber exatamente tudo o que está envolvendo essa mudança, suas origens, suas consequências, recebemos a ligação do Deputado Federal Otávio Leite (PSDB-RJ). Uma vez inteirado parcialmente do assunto, o mesmo marcou uma reunião conosco, para que  a questão fosse amplamente discutida e sobretudo soluções  viáveis para a carência de profissionais fossem apontadas.


Ao contrário de Rocha Loures, que apenas procurou ouvir os interessados na vinda de estrangeiros, Otávio Leite dispôs-se a ouvir os aeronautas, assim como avaliar todas as nossas propostas para que possam virar emendas que substituam a proposta de Rocha Loures.



Deputado Otávio Leite - Um apaixonado pela aviação, a 
favor dos aeronautas e em busca de soluções inteligentes.


E foi assim que no dia 10 de agosto fizemos, no Rio de Janeiro, uma reunião com o Deputado Otávio Leite, onde expusemos nossa posição em relação ao assunto, com a leitura do seguinte manifesto:

Excelentissimo Sr. Deputado Otávio Leite

Em nome dos mais de 3200 signatários do abaixo-assinado em repúdio ao trecho do Projeto de Lei 6716/09, que propõe a alteração do Art, 158 do Código Brasileiro de Aeronáutica, permitindo o ingresso de estrangeiros no mercado de trabalho aeronáutico brasileiro, assim como em nome dos presentes, quero agradecer à v.excia pela disposição em ouvir nossa manifestação, e também por colocar-se como nossa voz no Congresso Nacional em defesa dos nossos interesses.

Há três semanas atrás fomos surpreendidos pela proposição do Deputado Rodrigo Roucha Loures, e muito nos causou espanto as razões alegadas pelo mesmo, para que se fizesse a modificação anteriormente citada.

1. DA PROPOSIÇÃO DE MUDANÇA

Tal proposta, ao nosso ver, vem na contramão de todos os nossos anseios e perspectivas, pois mostra-se uma solução simplista e imediatista para os supostos problemas de falta de tripulantes que ora se apresentam. Não resolve o problema em suas causas, mas tenta remediar seus supostos efeitos".

Na realidade, a proposta atende somente aos desejos dos empresários, cujos interesses revelam claramente o barateamento da mão de obra, e em nenhum momento contempla a melhoria da formação de pilotos no Brasil, o aperfeiçoamento da máquina pública – diga-se ANAC – para melhor atender ao setor, e sequer direciona as empresas para que melhorem a qualidade de trabalho de seus colaboradores. Sem dúvida um retrocesso.

2. A FALTA DE DIRECIONAMENTO E CONTRAPARTIDAS:

O trecho projeto de Lei, como se apresenta, é uma aberração pois não determina sequer prazos ou setores da aviação a serem supridos, e, uma vez aprovado, se eternizará acabando de vez com o mercado de trabalho. E isso, sem qualquer contrapartida ou reciprocidade de outros países.

Enquanto ficamos restritos ao trabalho em nosso país, outros poderão vir pra cá e disputar conosco, de maneira desigual, as vagas de emprego. O absurdo chega a ser tal, que estabelece em 5 anos o prazo de permanência no país, quando em lugar algum do planeta nós - aeronautas e/ou aeroviários brasileiros - temos similar benefício de contratos de longa duração. O máximo - pelo que se sabe - é Hong Kong, onde dão até 03 anos, e mesmo assim sob denso escrutínio. Macau costumava dar 04 anos e recentemente diminuiu para 02. China ídem. E isso porque eles não tem formação de pilotos, ou a mesma é precária para as suas necessidades, o que não é o nosso caso.

Para cada país que vier a atravessar um crise financeira, seremos o amparo para seus refugiados profissionais, em tempo que nós mesmos não teremos onde nos refugiar, e tão somente seremos cruelmente obrigados a nos submeter a regras até desumanas para que tenhamos alguma garantia de emprego. Um retrocesso sem precedentes na história.

3 .A LEI COMO INSTRUMENTO DE PRESSÃO:

Ao contrário do que pensa o Deputado Rocha Loures, tal medida só viria a servir como um instrumento de pressão nas mãos dos empresários, que iriam impor pressões e regras cada vez mais duras, tornando os colaboradores reféns de seus interesses.

Os aeronautas passarão a conviver com a sombra do desemprego, e serão compelidos a cederem às vontades patronais, sob a ameaça de serem substituidos por estrangeiros. Isso causará reflexos diretos, claros e perigosos à segurança de vôo. Nenhum relatório de perigo será feito, a regulamentação deixará de produzir seus efeitos, e a aviação se tornará uma bomba relógio.

4 .CRITÉRIOS DE ADMISSÃO EXCLUDENTES:

Algumas empresas se queixam, hoje, da falta de pilotos. Entretanto, não se dignam a acabar com os critérios impostos por elas mesmas, que restringem as contratações pelos motivos mais estapafúrdios, como pela falta de inglês ICAO, até para vôos domésticos e cujas transmissões radiofônicas são em português; pela idade, julgando que o profissional com mais de 38 anos já é velho para entrar na companhia; ou exigindo formação em Ciências Aeronáuticas, que é um curso recente e cuja maioria dos profissionais experientes não têm tal formação, por não ser obrigatória para o exercício da função.... enfim, critérios incoerentes com as necessidades do mercado.

5 .A FALTA DE PILOTOS E SUAS VERDADEIRAS CAUSAS:

Segundo a própria Presidente do Sindicato dos Aeronautas, Graziella Baggio, para o jornal Valor Econômico, "Das cerca de mil homologações de demissões e pedidos de desligamento que o sindicato fez de janeiro a julho, cerca de 80% são da Gol", Nos sete primeiros meses do ano, conforme averiguado pelo VE, a Gol acumula 162 homologações, ante 139 da TAM e oito da Avianca. Não há registros de homologação de dispensas de outras companhias. "Há um clima de insatisfação muito grande de aeronautas que querem melhor salário".

A empresa que mais reclama de falta de colaboradores, é aquela que traz em seu DNA a mentalidade carcomida e tacanha dos transportadores rodoviários do Brasil, mal acostumados na exploração de linhas rodoviárias, a prestar serviços duvidosos por conta de suas primazias, e a tratar seus funcionários como se fossem pobres coitados, resultando em salários abaixo da média do mercado, jornada excessiva e falta de benefícios, como seguro de saúde, plano de previdência e escalas desumanas.

Qualquer empresa de qualquer lugar do mundo, que tratar seus funcionários como se fossem objetos de decoração, colocando a dignidade dos colaboradores milhares de metros abaixo de seus interesses, terá dificuldades de manter funcionários em seus quadros, e estarão sempre deficitárias de pessoal. Mas pergunto-vos: O caminho é mudar a mentalidade empresarial, ou abrir para estrangeiros que se submetam às péssimas condições de trabalho, deteriorando ainda mais as nossas condições?
Então, o que se observa aqui não é falta de pilotos, mas falta de critérios, e até de bom senso nas empresas.

Até pouquíssimos tempo atrás, as duas maiores companhias do Brasil exigiam de seus candidatos um curso que chegava a custar cinquenta e cinco mil reais, e que era feito por conta do candidato e num estabelecimento específico. Quem precisa de pilotos não faz tal exigência que chegava a ser indecente.

Se for perguntado a um grupo de pilotos, quantos conhecem pilotos desempregados ou trabalhando no que chamamos de "sub-empregos", todos levantarão a mão. Somos 70 mil licenciados e ainda temos muitos pilotos desempregados, e muitos que estão voando fora querendo voltar para o Brasil, pois foram obrigados a um exílio devido a falta de vagas em nosso país, ou em busca de condições que as empresas locais não querem oferecer.

6.A FORMAÇÃO NO BRASIL:

Em resposta a centenas de e-mails, o Deputado Rocha Loures afirma que o tempo de formação de pilotos e mecânicos é longo demais e não está conseguindo acompanhar o crescimento do setor. Foi informado, ainda, que o tempo médio de formação desses profissionais é de cinco anos, razão pela qual tal prazo foi estabelecido em seu relatório. Segundo o Deputado, tais informações foram passadas pelos representates dos aeronautas, aeroviários e das empresas.

Esse tempo de formação nunca existiu nem mesmo na EVAER , a antiga escola da Varig. Nem na Academia da Força Aérea, cujas disciplinas são até mais rígidas, se leva tanto tempo na formação.

O problema da formação no Brasil, é que ela é cara, estando acessível somente a pessoas que tenham uma capacidade financeira superior. Aqueles que não dispõem de recursos, levam mais tempo para completar a formação. Não existe verdadeiro incentivo, a não ser com medidas tímidas, como bolsas de estudos, que são parciais e não contemplam a formação completa.

Para resolver esse problema, bastaria a União criar mecanismos de incentivo, tais como:

a. Homologar o motor a àlcool para as aeronaves de instrução, a exemplo do que fez com as aeronaves agrícolas;

b. Isentar ou pelo menos baratear as pesadas taxas cobradas pela ANAC, onde uma simples declaração de horas de vôo em folha A4 ou qualquer ato, custa R$ 100,00 – um valor maior do que qualquer emolumento cartorial.

c. Desburocratizar a Agência Nacional de Aviação Civil, onde os processos ainda são morosos, onde uma prova de inglês chega a levar meses para ser aplicada! Um check ou recheck passa por um processo interminável, e isso poderia ser facilmente executado pelas próprias escolas, cabendo apenas à ANAC licenciar

d. Promover cursos preparatórios para o tão exigido teste de inglês, em vez de licitar empresas que chegam a cobrar R$ 550,00 pela sua aplicação, tornando ainda mais onerosa a formação. Criar a Universidade Brasileira do Ar, que em três anos será capaz de fornecer bons profissionais ao mercado, e não em cinco como erroneamente pensa o Deputado Rocha Loures.

7.RESULTADOS NEGATIVOS DA APROVAÇÃO DA MUDANÇA NO ART.158 DO CBA:

Aviação geral: Como aviação de acesso, é onde os jovens pilotos ganham experiência e se qualificam para a a aviação comercial. Veremos pilotos de várias nacionalidades disputando vagas e baixando salários, a ponto de desestimular até mesmo a formação no Brasil, além de causar o desemprego dos nossos compatriotas. Por conta disso, inúmeras escolas de aviação fecharão as portas, pois com um mercado inchado e competitivo com desigualdade, não haverá mais quem se interesse por fazer um curso de piloto. Isso causará o desemprego de inúmeros instrutores.

Offshore – Com o pre-sal e os blocos de exploração amazônicos, pilotos de helicópteros de várias partes do mundo virão pra cá, destruindo um mercado que foi construido às custas de muito sacrifício e suor pelos nossos colegas de asa rotativa. Mercado esse que ainda não atingiu um nível salarial justo, em face da responsabilidade e dos riscos a que se submetem os nossos colegas e que anda assim sentirá a degradação do que até então foi conquistado.

Aviação Comercial – Fará uso da mão de obra estrangeira, mais barata, e menos suceptível à evasão, pois trabalhão por contrato com tempo determinado, submetendo-se a toda sorte de vontade, e forçando nossos aeronautas ao mesmo tratamento. Por contrato de empreita, não estarão obrigados aos ditames da CLT, barateando os custos das empresas.

Aviação Agrícola – Veremos pilotos agrícolas de outros países, principalmente os vizinhos, voando a preços irrisórios.

Segurança de Vôo – Seria completamente comprometida pela vinda de estrangeiros cujas pronuncias no idioma ingles são inteligiveis. Por outro lado, não se pode exigir no Brasil, que em vôos domésticos as transmissões de radio sejam feitas em inglês pelos pilotos brasileiros, e muito menos que esses tenham completo da língua inglesa. Logo, em momentos de pico o que veriamos seriam perigosos conflitos de tráfego. Seria exigido um nível de proficiência em português para os pilotos estrangeiros?

8.FINAL

Não se pode atacar os efeitos da ausência e da indiferença do poder público em relação a um setor, penalizando os profissionais desse setor. Deve-se atacar as causas, com medidas que tragam melhorias para os que também foram vítimas de tal displiscência. E que sejam soluções perenes, que tragam em seu bojo a justiça social e a consideração com essa classe de trabalhadores. O Brasil tem pilotos sim, e não são poucos. Apenas precisam ser valorizados e preservados com políticas empreseriais humanas. E estes, são tão somente, reconhecidamente os melhores piloto do mundo.

Grupo Aviação com Ética"

Após a leitura do manifesto, Otávio Leite acolheu nossas propostas e comprometeu-se diante da categoria a transformá-las em proposta substitutiva à mudança do Artigo 158.

Outros Deputados Federais e Senadores devem acompanhar o mesmo pensamento de Otávio, formando uma frente em prol do desenvolvimento da aviação, com soluções inteligentes e viáveis.

Vale ressaltar o seguinte: Mesmo sendo candidato à reeleição, Otávio Leite, numa atitude de extrema ética, fez questão de não misturar seu apoio e o compromisso firmado com os aeronautas, com sua campanha política. Tal seriedade e responsabilidade surpreendeu a todos nós, já calejados e acostumados ao gritante fisiologismo e  à hipocrisia que assolam os meios políticos brasileiros.

À parte dos seus compromissos de campanha, tem ligado constantemente para saber como está o abaixo-assinado, o andamento da mobilização e etc.

Otávio Leite, ele mesmo um apaixonado pela aviação, em tempo algum pediu qualquer voto ou a participação de aeronautas em sua campanha, demonstrando assim a transparência, a cristalinidade, a honestidade e o verdadeiro compromisso com o cargo do qual está investido.

Até porquê, o próprio Otávio Leite tem consciência de que somos uma categoria "espalhada" por todos os recantos do país, e que em seu próprio Estado, somos apenas uma pequenina parcela. Porém, ciente de que é Deputado Federal pelo Brasil, e não só por um Estado, engajou-se nessa luta conosco.

Justificada se faz esta observação, já que atitudes louváveis  como esta, por parte de parlamentares, andam cada vez mais escassas nos dias de hoje. Entretanto, as poucas que ocorrem resgatam em nós a certeza de que há quem se disponha a lutar por nós, e que não estamos tão órfãos como muita vezes pensamos.

Um fato triste, ao mesmo tempo que irônico, se dá pela simples observação de que aqueles que mais empunham bandeiras "trabalhistas" e  gritam palavras de ordem pela "defesa do trabalhador brasileiro", são os que até então mais se calaram ou simplesmente nos ignoraram diante da nefasta tentativa de fragilizar nossa categoria profissional, e de entregar de bandeja nossos empregos aos estrangeiros. São bandeiras, muitas vezes vermelhas de vergonha,  que paulatinamente vão ficando puídas e sem cor, e gritos que ficam mais sem tom e intensidade... Ou que não valem para aeronautas, mas tão somente para torneiros mecânicos e afins.

E são elas que ditam os discursos fáceis, flácidos e vazios, mas que em suas entrelinhas entoam uma música de Caetano Veloso escrita ao contrário:

O Quereres (em tempos atuais)
Onde queres coqueiro sou revólver, onde queres paixão sou dinheiro
Onde queres desejo sou descanso, e onde sou só descanso queres não
E onde não queres nada, tudo falta, e onde voas bem alta eu sou o chão
E onde pisas minha'alma o meu chão salta, e perde liberdade na amplidão
Onde queres família sou maluco, e onde queres romântico, burguês
Onde queres Pernambuco sou  Leblon, e onde queres garanhão, eunuco
E onde queres o sim e o não, talvez, onde vês eu não vislumbro razão
Onde queres o irmão eu sou o lobo, e onde queres chinês eu sou cowboy

Ah, bruta flor do querer, ah, bruta flor, bruta flor

Não fazemos campanha contra ou a favor para quem quer que seja, mas urge  em nós o dever moral do reconhecimento a quem de fato se preocupa conosco, e o de apontar o indicador pra quem nos ignora.

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