sexta-feira, 27 de agosto de 2010

4. A IMBECILIDADE DE UM E A INTELIGÊNCIA DE OUTRO.

Para que haja um imbecil, é necessário que no mesmo ambiente esteja alguém inteligente. Sim, dois imbecis não são capazes de reconhecer um ao outro, mas um inteligente reconhece um imbecil de longe, e para isso, basta que comecem um diálogo. Logo fica definido quem é quem.

E foi assim que uma tal pessoa, daquelas incapazes de enxergar a diferença entre um tatú e um poste, mandou um e-mail para um experiente Comandante, questionando nossos protestos.
O Comandante, dentro de sua extrema sapiência, com toda delicadeza escreveu de volta à essa pessoa, dando-lhe uma resposta memorável, e que em muito norteou até nossas ações para neutralizar a traição do Rocha Loures.

Piloto Donkey
"QUAL É O PROBLEMA NISSO?

A GENTE NÃO TEM EMPREGO LÁ FÓRA A VONTADE? ÁSIA, ÁFRICA, EUROPA, ARÁBIAS, ETC ETC... SEMPRE QUE PRECISAMOS AS COMPANIAS DESSES CONTINENTES ESTIVERÃO E AINDA ESTÃO COM AS PORTAS ABERTAS PARA NÓS.

NADA MAIS JUSTO QUE PERMITIR A ENTRADA DE ESTRANGEIROS AQUI TAMBÉM, É UMA TROCA.
ESSE CONTRATO AINDA É RESTRITIVO, LIMITA A PERMANÊNCIA DELES POR 60 MESES, LÁ FÓRA NÓS NÃO TEMOS LIMITE DE TEMPO PARA VIR EMBORA.

E OUTRA, SE NÃO CONTRATAREM GENTE QUALIFICADA, E VAI PRECISAR MESMO DE MUITA GENTE E NÃO VAI DEMORAR, QUEM É QUE VAI COMANDAR OS A320,737, ERJ'S, ATR'S ??? PC COM 1000 HS DE VÔO? VC VOARIA DE PAX COM UM CMT RECÉM SAÍDO DO AEROCLUBE?

O FATO É: VAI FALTAR GENTE E SEM UM PLANEJAMENTO O PAÍS VAI TRAVAR, AÍ SEM TEREMOS UM PROBLEMA. SE COMEÇAREM A PROMOVER GENTE SEM EXPERIÊNCIA ENTÃO... MINHA MÃE É QUE NÃO VAI VOAR MAIS, PQ EU NÃO DEIXO.

VAMOS ABRIR A CABEÇA GENTE, E ENXERGAR MAIS LONGE."

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A RESPOSTA DO COMANDANTE AO CIDADÃO ACIMA:


Cmte. de verdade
"Prezado...

Queira me desculpar, mas não poderia discordar mais do seu raciocínio.

1o.)- A proposta de autorização por 6 meses é só para instrutores. Para tripulantes de linha, a proposta é de cinco (05) anos; vamos ler com mais cuidado, e na íntegra;

2o.)- O Brasil é signatário da ICAO (Organização Internacional de Aviação Civil, na sigla em inglês) e se pauta por suas regras. Nunca - pelas regras atuais do CBA e dos RBHA's - V.Sa. iria voar com um comandante "recém saído do aeroclube". Nem mesmo o copiloto (que tripula as aeronaves onde V.Sa. viaja como passageiro) poderia ser "recém saído do aeroclube", simplesmente por que os requisitos mínimos são infinitamente maiores do que possui de qualificação e experiência um detentor da "licença de piloto privado" (popularmente conhecida como "brevê"). Essa assertiva revela total desconhecimento da legislação em vigor e da mecânica de formação de aeronautas e aeroviários (recomendo, a esse respeito, a leitura das publicações oficiais contidas no site da ANAC - www.anac.gov.br - e de acesso gratuito ao público, principalmente o RBHA 61, que trata da qualificação de pessoal). Posso também dizer-lhe - do alto de minhas 3 décadas de carreira como aviador profissional - que "o buraco é muito mais em baixo". Ou seja, evite-se, por favor, o "emprenhamento pelos olhos e ouvidos", que certos veículos de mídia tentam infligir ao público leigo; 
3o.) Se a aviação do país "travar", não será por falta de aeronautas brasileiros. Terá travado, sim, pela inépcia do Poder Público em atacar as causas e não os efeitos dos problemas que nos afetam, por décadas a fio. "Abrir a cabeça e enxergar mais longe" implica ler o que é exposto a seguir, Cavalheiro.

Afora isso:

Ao contrário do que possa parecer, nós - aeronautas e aeroviários brasileiros - não temos "emprego à vontade lá fora", não!!! Temos emprego em alguns países (não nos melhores), e mesmo assim só em casos extremos, quando precisam muito e não têm de onde tirar, principalmente onde a formação ou não existe, ou é extremamente deficiente. Não pense V.Sa. que temos emprego à vontade nos EUA sem um bom "green card" e a licença do FAA, ou na União Européia, sem possuir passaporte europeu e a licença do JAA (JAR FCL). Nem pensar!!!!!

Fui comandante, instrutor e inspetor-examinador na Ásia e Oriente Médio, ao longo de 10 anos. Batalhei sempre, palmo a palmo, para obter minhas convalidações de licença e vistos de trabalho (sempre vistos de trabalho não-residente; para se tornar residente, em qualquer lugar, mesmo os mais inóspitos, são "outros quinhentos"!!!). EM LUGAR ALGUM DO PLANETA nós - aeronautas e/ou aeroviários brasileiros - temos hoje o benefício de contratos de longa duração de até 05 anos. O máximo - pelo que se sabe - é Hong Kong, onde dão até 03 anos, e mesmo assim sob denso escrutínio. Macau costumava dar 04 anos e recentemente diminuiu para 02. China ídem. Aqui no Brasil - historicamente, desde que o Presidente Getúlio Vargas e o jornalista Assis Chateaubriand promoveram a histórica "Campanha Nacional de Aviação" (1941; vide http://www.pabloaerobrasil.net/albuns/pages/CONDOR_4.htm), batizando e distribuindo aeronaves de treinamento básico, fazendo proliferar aeroclubes até mesmo pelos mais longínquos rincões do país -, temos uma estrutura de aviação geral que é a 2a. maior do Mundo, atrás apenas dos Estados Unidos da América.

Só que o Estado Brasileiro - ao ser negligente e complacente com relação a um sem-número de condições desfavoráveis ao desenvolvimento desta estrutura - permitiu que a mesma se deteriorasse, além do limite da razão. A solução - ao contrário do que certos pretensos "liberais" possam trombetear por aí - não passa por inflação deliberada do mercado com estrangeiros e/ou fomento do arrocho salarial e de condições de trabalho. A solução - empurrada com a barriga ao longo de décadas por sucessivos governos - passa por encarar o problema de frente, atacando as causas e não o efeito, ou seja, resolvendo de uma vez por todas o "gargalo" que é o treinamento básico e intermediário. "Liberar o mercado", da maneira como está proposto pelos parlamentares - com a concessão indiscriminada de vistos de trabalho e de convalidação de licenças, e de contratos de até 05 anos sem reciprocidade alguma - equivale a "incendiar o apartamento para matar as baratas", isso quando não esconde intenções nada nobres. Uma delas provém da pressão, por parte de uma notória companhia petrolífera estrangeira (sócia da Petrobrás no Pré-Sal), que tenciona "importar" pilotos de helicópteros por salários mais baixos e sem benefícios sociais/laborais, o que em nada melhoraria a condição de segurança operacional. Acredite, pois já fui responsável por recrutar gente nessas condições, quando exercia cargo de chefia no estrangeiro, e a qualidade do profissional que se apresenta alí - no mais das vezes - não é nada boa.

A iniciativa desses parlamentares - em sua Santa Ignorância, Cinismo e Oportunismo - quer fazer crer que, ao inundar nosso mercado de trabalho com gente de fora, aumentariam a possibilidade, por parte de certos empregadores (provavelmente os mesmos que ora patrocinam a "original e moderna iniciativa") de obter "profissionais qualificados e experientes" por salários menores e/ou menos benefícios, destarte causando uma "flexibilização das regras trabalhistas" na marra. Quanta ilusão e quanto desconhecimento das particularidades do mercado de trabalho aéreo / aeroviário!!! É espantoso, para dizer-se o mínimo. Não sabem que - neste mercado - vale a máxima segundo a qual "One pays peanuts, One gets monkeys". Piloto de linha aérea não é quebrador de pedra ou embalador de supermercado (que me perdoem os que exercem tais atividades, dignas e honestas, mas os critérios são bem outros!!!). Ídem para a linha aérea, Meu Senhor: se autorizarem da maneira que está proposta, sem acordos de reciprocidade e nem salvaguardas específicas para os processos de convalidação e garantias laborais, não espere que europeus, americanos, canadenses, australianos ou neozelandeses queiram vir trabalhar aqui...muito pelo contrário.

O atual patamar de salários & benefícios de 99% das empresas brasileiras não atrairia profissional algum do chamado 1o. Mundo. Só para dar uma idéia, certas empresas brasileiras de transporte aéreo regular não oferecem nem convênio médico a seus funcionários, que dirá outros benefícios. Em contrapartida - e só para citar um exemplo -, empresas como Qatar Airways, Emirates e/ou Singapore Airlines custeiam até mesmo os estudos dos funcionários e de seus dependentes (até 03 dependentes por funcionário), aí incluído o ensino superior nas melhores universidades do planeta, e até a idade de 21 anos!!! Quem V.Sa. acha que "succiona", hoje, os melhores profissionais para seus quadros? Para onde iria V.Sa., se fosse aeronauta e dispusesse dos atributos requeridos? Para o Golfo Pérsico / Ásia, ou aqui para nosso varonil país? A vingar o disparate, quem se apresentará aqui serão justamente os "enjeitados" (ex.: gente do "5o. Mundo" que - por ser oriunda de países da "Lista Negra do Terrorismo" da Coalisão, são incapazes de obter vistos para a Zona da C.E., América do Norte etc.), o lixo que o resto do planeta sempre rejeitou, por razões várias. Étnicas, políticas, culturais, mas também - e é só o que nos importa - pelo baixo nível técnico e doutrinário, que é o que mais derruba aviões, desde que a Aviação existe. A esse respeito, recomendo a leitura de estatísticas idôneas (e não as da imprensa amestrada brasileira, tipo VEJA ou ISTO É), como http://flightsafety.org/.

Aí sim, Cavalheiro, V.Sa. terá todas as razões para não permitir que a Sra. Sua Mãe viaje mais de avião. Também farei eu o mesmo, em relação à minha, se essa patifaria parlamentar acabar se criando. Coloco-me à sua disposição, bem como a todos da sua lista de contatos, caso queiram mais informações de parte de um profissional de aviação com mais de 30 anos de carreira, e que - a despeito de todas as tentativas de nossos detratores - ainda não cansou de lutar pelo que é certo. Não é corporativismo, não. É respeito pela segurança operacional. Em outras palavras: respeito pela vida, em 1o. lugar.


Cordialmente,


F.O.G.


OBS: O Comandante citado é chefe de equipamento de uma empresa no exterior, e é um piloto conceituadíssimo.




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