sexta-feira, 27 de agosto de 2010

6. UMA TENTATIVA VÁLIDA, MAS FRUSTRADA PELA AUSÊNCIA DE RRL.

Lembram da "resposta automática" do RRL às centenas de e-mails?. Pois é... um dos pilotos profissionais mais respeitados do Brasil resolveu escrever ao RRL, contestando o seu conteúdo.

Esse comandante que escreveu, atualmente na aviação executiva mas famoso por ser um dos mais habilidosos pilotos de acrobacia do Brasil, (pertenceu ao EDA - Esquadrão de Demonstrações Aéreas - a conhecida Esquadrilha da Fumaça), tentou esclarecer ao Rocha Loures, mostrando-lhe que as coisas não são como ele pensa.

Claro, não obteve resposta, pois as respostas do RL costumam ser automáticas e elaboradas por algum obsessor, digo, assesor.

Vale muito á pena ler seu conteúdo, pois é tudo o que o SNA deveria ter dito na reunião que discutiu a proposta, e não o fez.

"Prezado Deputado


Tive acesso a algumas respostas-padrão que o senhor enviou a vários aviadores que manifestaram preocupação com a possibilidade de estrangeiros invadirem um mercado que sempre foi destinado aos brasileiros, através da nova redação do CBA, em seu artigo 158.

Para facilitar, achei por bem discutir cada um dos parágrafos das mensagens enviadas pelo senhor, para que haja uma linha clara de raciocínio. Destaquei suas colocações em negrito:

Agradeço seu contato e suas ponderações, mas informo que em várias audiências públicas que participei o mesmo problema foi apontado tanto pelos representantes das empresas aéreas quanto pelos representantes dos aeronautas e aeroviários: o tempo de formação de pilotos e mecânicos é longo demais e não está conseguindo acompanhar o crescimento do setor. Foi informado, ainda, que o tempo médio de formação desses profissionais é de cinco anos, razão pela qual estabeleci em meu relatório esse prazo.’

Percebi alguns erros conceituais nas afirmações deste parágrafo. O primeiro e fundamental: o tempo de formação não é longo, vai depender de qual é a disponibilidade financeira do aluno. Não são raros os casos em que alunos saem do zero e se formam Pilotos Comerciais em um ano e meio ou dois anos. Caso o senhor tenha alguma dúvida nessa afirmação, basta procurar alguma boa escola de formação de pilotos e saná-la. Teoricamente, a licença de Piloto Comercial garantirá ao aviador o ingresso no mercado de trabalho. É importante lembrar que não há qualquer exigência na legislação brasileira, nem na ICAO (Organização de Aviação Civil Internacional, em inglês) que obrigue um aviador a ter um curso superior, o que certamente levaria mais tempo. É possível que suas fontes, os “representantes dos aeronautas e aeroviários”, não tenham sido claros o suficiente para fazê-lo entender como funcionam os bastidores da formação de profissionais da aviação.

Segundo ponto muito importante: diferentemente de profissionais como engenheiros, médicos, jornalistas, advogados e outras, as grandes companhias aéreas não contratam aviadores recém saídos da escola de pilotagem. Pode ser aí que resida a confusão gerada pelos tais “representantes”. As profissões que mencionei possuem mecanismos para iniciar a introdução de seus profissionais no mercado, são os “residentes” ou “estagiários“, que em muitas atividades são parte obrigatória na formação. Não existe estagiário para piloto. Mesmo o co-piloto tem função bem definida e é essencial na condução de aeronaves (aviões e helicópteros) mais complexas. Um co-piloto não é um estagiário. Ele já entra pra valer e sem um aviador no assento dele muitas aeronaves não decolam. Esse deve ser o motivo pelo qual as grandes empresas não contratam aviadores recém-saídos das escolas e optem por esperar um tempo até que o aviador recém-formado amadureça acumulando algumas horas de voo, voando talvez em subempregos, e daí possa exercer suas funções sem que as companhias de seguro façam objeções.

Sim, prezado deputado, há subempregos na aviação também. São aqueles em que o piloto voa em troca de comida e horas de voo, que mais tarde vão permitir a ele que ingresse numa grande companhia aérea. Esse acúmulo de experiência que para muitos empregadores é fundamental para garantir um emprego é bastante questionável. Que aeronaves foram voadas? Em que condições? Não seria mais útil preparar esse profissional melhor e garantir que possa cumprir seu papel de forma mais eficiente? Poderia discorrer bem mais sobre o tópico, mas resumindo a conversa, já existem no mundo soluções para esses problemas que são semelhantes para todos os países que possuem uma aviação bem estruturada, o MPL (licença de piloto de tripulação múltipla, em inglês), ou outros programas semelhantes, que garantem um link confiável e eficiente entre a escola de formação e o primeiro emprego, especialmente se for uma grande companhia aérea. Um programa de MPL leva em torno de um ano e meio.

Concluindo, a formação média, ab initio, de um aviador leva bem menos que os cinco anos. O treinamento para um piloto já formado e que seja contratado para voar numa companhia aérea leva uns poucos meses, incluindo o treinamento teórico, simuladores, conhecimento da filosofia da empresa, etc. Não acredito que seja bom para o País amarrar no CBA, por décadas, uma condição que certamente privará aviadores brasileiros de exercerem suas funções. Haverá mudanças na formação dos aviadores brasileiros e da forma como serão disponibilizados no mercado.

Sei que os problemas de investimento no setor são graves e que ainda demandará algum tempo, mas gostaria que o senhor soubesse que tenho empreendido esforços junto ao governo federal para que essa situação se reverta, ou seja, haja estímulo à criação de mais escolas de formação, bem como que a categoria consiga salários compatíveis com as funções desempenhadas.’
Sinto discordar, mas criar escolas não resolve o problema. Como o senhor deve saber existem no Brasil inúmeras instituições civis de ensino aeronáutico espalhadas por todo o País. Só no estado de São Paulo são 81 (42 aeroclubes, todos formam pilotos e 39 escolas que também atuam na formação de comissários de voo, mecânicos, despachantes operacionais de voo). Se cada uma delas escolas colocasse no mercado apenas meia dúzia de pilotos por ano, talvez a falta de aviadores que é apregoada aos quatro ventos por alguns não existisse, concorda? Aqui vem outro pedido: além de não trazer estrangeiros para voar nossas aeronaves, por favor não crie mais escolas. Tenho a impressão de que o número delas é mais que suficiente. O que falta é adequá-las às exigências de um mercado que evolui e se moderniza rapidamente e isso está sendo feito pela ANAC. Sempre que possível, entidades como a ABRAPHE – Associação Brasileira de Pilotos de Helicóptero, que possuem uma visão clara e realista do mercado, contribuem com suas experiências.

Pergunte às maiores empresas aéreas brasileiras qual é a experiência mínima para ser aceito como piloto em cada uma delas. Dificilmente o senhor verá um aviador como menos de 500 ou mil horas voando nessas empresas. Dificilmente o senhor também verá um piloto beirando os 50 anos de idade sendo contratado. É regra, mas existem exceções. Se o piloto é novo, não tem experiência. Se tiver experiência, provavelmente é muito velho para ser contratado. Enquanto por aqui pilotos com mais de 35 anos são sumariamente descartados em algumas empresas, no exterior é comum empresas contratarem pilotos com 55 anos de idade.

Quanto aos salários, todos sabemos que na iniciativa privada, o que os determina é o mercado. É claro que o governo pode sim determinar os pisos salariais, inclusão de benefícios, etc. Isso tudo pode ser muito bem-vindo.

Não tenho interesse em deixá-los desempregados, pelo contrário. Quero estimular uma maior capacitação e valorização do setor, mas não podemos, enquanto isso não acontece, deixar as empresas de aviação comercial e geral desassistidas, visto que, como dito anteriormente, não se formam pilotos e mecânicos de um dia para o outro.’

Concordo. Não se formam mecânicos e pilotos de um dia para o outro, bem como não se pega uma aeronave na prateleira para voar. Tenho certeza de que o senhor sabe que entre a encomenda de uma aeronave nova e sua entrega vão se passar dois, três, quatro anos, com variações para mais e para menos, dependendo do modelo, do fabricante, da conjuntura global, etc. De qualquer forma, se houver alguma dúvida quanto a esses prazos, sugiro perguntar à Embraer ou Helibras e conferir quanto tempo elas precisam para entregar uma aeronave. Entre a assinatura do contrato e a entrega da aeronave existe tempo mais que suficiente para formar as tripulações que vão operá-la. As companhias sérias em todo o mundo fazem exatamente isso: preparam toda a logística (que inclui a formação dos pilotos) para o início das operações de uma nova aeronave. Ainda assim, é muito comum o uso de instrutores da fábrica para auxiliar o início das operações de uma nova aeronave, para garantir que tudo seja feito dentro dos mais rigorosos padrões de segurança.

E o que dizer de uma aeronave usada? O mesmo. Embora o tempo de entrega seja menor, os pilotos podem ser preparados para operá-la enquanto ela não chegar ao Brasil, depois disso, mais uma vez, um instrutor pode ser usado, de acordo com o que já está previsto no CBA.

A expressão “formar um piloto” pode ter várias conotações. No ano passado foram formados mais de 2300 pilotos no Brasil, entre PP, PC, PLA de avião e helicóptero. Até agora os números de 2010 já apontam para um crescimento que bate os 30%. Certamente já é o mercado reagindo à altura à possível escassez de pilotos no mercado. Por favor, confira esses números com a ANAC. Está claro que a inclusão da possibilidade de algum piloto estrangeiro voar no Brasil por cinco anos seja um excesso de zelo, além claro, de contribuir para pilotos nacionais ficarem desempregados.

A outra forma de entender a expressão ”formar piloto” é “preparar um aviador para operar determinada aeronave”. Pode existir um piloto que seja PLA (Piloto de Linha Aérea) com alguns milhares de horas no seu currículo, mas que não seja habilitado para voar uma determinada aeronave no momento de sua chegada ao Brasil. Uns poucos meses resolvem o problema, como tem resolvido. Não são necessários cinco anos. A vinda de um instrutor sempre resolveu esse problema.

Na década de 90 houve um fenômeno interessante, foram cerca de 100 helicópteros que entraram para o mercado em 1997 e 1998. O resultado disso foi previsível: não haveria pilotos em número suficiente para atender a demanda. O mercado reagiu e diversas escolas surgiram. Ser piloto de helicóptero naquela época era a garantia de bom emprego. Mas as coisas mudaram, o dólar deixou de ser equiparado ao real na proporção de um para um. Aos poucos as coisas foram voltando ao normal e o dólar disparou em relação ao real. O resultado foi que diversos aviadores investiram pesado e tiveram que arcar com o prejuízo dos altos valores pagos para se formarem e viram seus planejamentos se transformarem em fumaça. Diversas escolas de aviação tiveram que fechar suas portas. Mais uma vez o mercado foi se ajustando. Tem época em que para voar numa empresa aérea, o piloto tem quase que provar que já fez diversas missões ao espaço e pousou outras tantas com o ônibus espacial, e pagam uma ninharia por isso. Em outras fases, o piloto é contratado em troca de bons salários se passar na porta de uma companhia aérea abanando uma licença de Piloto Comercial. O mercado aeronáutico é uma senóide. O ideal é estar sempre na crista da onda, mas temos que conviver e planejar os períodos de baixa. Os antigos na aviação conhecem bem esses fenômenos. O mais fantástico disso tudo é que, apesar da senóide parecer representar uma séria ameaça aos propósitos da aviação, o mercado sempre foi ágil e se superou, sem precisarmos da interferência externa, na forma de aceitarmos pilotos de fora para realizar os voos em aeronaves de matrícula brasileira.

Quanto ao que o senhor citou sobre “estimular uma maior capacitação e valorização no setor“, muito me interessa e gostaria de saber quais estratégias o senhor está adotando para que possamos unir forças para atingirmos objetivos comuns.

‘As companhias aéreas brasileiras registraram um aumento de 42,89% no movimento de passageiros nos voos domésticos em fevereiro, em relação ao mesmo período de 2009.
Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), trata-se do maior crescimento percentual do setor já registrado desde setembro de 2003, quando os dados começaram a ser computados.
Quanto à aviação regional, a Trip Linhas Aéreas e a Passaredo são exemplos de índices elevados do aumento de demanda. De janeiro a maio deste ano, cresceram respectivamente 109% e 155%, em comparação ao mesmo período do ano anterior, ou seja, mais que dobraram o número de passageiros transportados.
Outra questão que não pode ser esquecida é que teremos brevemente uma Copa do Mundo e uma Olimpíada, com um volume de passageiros ainda maior, não sendo aceitável que esses passageiros não possam voar.’

Concordo. Os números na aviação brasileira costumam ser sempre mais expressivos que os principais indicativos da economia pelo simples fato de que a aviação ainda tem que crescer muito para chegar ao tamanho do Brasil. Foi-se o tempo em que viajar de avião era um luxo para poucos privilegiados. Foi-se o tempo em que ter um avião ou um helicóptero era sinal de ostentação. Uma aeronave encurta distâncias, acelera o desenvolvimento, gera riqueza para o País.
É sempre uma satisfação ver esses números crescendo a taxas elevadíssimas. Se o crescimento da aviação aponta para algum novo “apagão”, eu tenho a convicção de que o apagão será de infra-estrutura, nunca de aviadores. A infra-estrutura depende de decisões de governo, que costumam ser muito lentas. A formação de novos pilotos depende de mercado, que reage rápido e, como foi visto, já está reagindo.

O senhor pode verificar esses números pelo incremento da procura de informações e matrículas nas boas escolas de formação aeronáutica.
Quanto aos eventos citados, Copa do Mundo e Olimpíadas, não trará grandes novidades. Historicamente, os países que já sediaram uma Copa do Mundo dificilmente tiveram aumento maior que 10% no tráfego aéreo. O problema nos aeroportos existe hoje e precisa ser resolvido já. Diversas promessas sobre a ampliação e melhoria da infra-estrutura aeroportuária se mostraram serem apenas palavras ao vento para apaziguar os ânimos de passageiros que passaram horas em saguões de aeroportos.

Resumindo, concordo com o senhor, é inaceitável que os passageiros não possam voar. A solução imediata para o problema está na infra-estrutura, não está na formação de pilotos.

‘Chamo a atenção, ainda, para a redação do art. 158, que prevê a contratação de mão se obra estrangeira em caráter provisório e na falta de mão de obra brasileira. Isso ocorrerá até que o setor tenha recebido os investimentos necessários para se desenvolver por si só.’
Esse “caráter provisório” por cinco anos é um tempo excessivo. Na verdade não precisamos de qualquer estrangeiro voando máquinas brasileiras por período nenhum, exceção feita, como já foi dito, aos instrutores. O texto “falta de mão de obra brasileira” é outro ponto que deixa toda a margem para as mais diversas interpretações. As palavras “sempre” e “jamais” cabem muito bem. Garanto que jamais faltarão pilotos brasileiros. Tenho comigo diversos currículos para serem inseridos no mercado.
Ao mesmo tempo, garanto que sempre faltarão pilotos para um determinado tipo de aeronave que acaba de desembarcar no Brasil, trazido por alguém que não teve o cuidado para se preparar adequadamente para operá-la.
Recorrendo mais uma vez ao “sempre” e “jamais”. Aeronaves novas sempre desembarcaram no Brasil e jamais precisamos de interferência externa para operá-las. O Brasil costuma resolver esses problemas internos com soluções desenvolvidas internamente.

Apenas para ilustrar, existem cerca de 500 brasileiros voando em outros países. São aqueles países que optaram em não formar seus próprios aviadores e preferiram contratar alguém que estivesse pronto no mercado internacional. Estes brasileiros não voam em países como o Brasil, que ao longo de várias décadas, bem ou mal investiu pesadamente na formação de seus aviadores. É possível que o governo brasileiro tenha investido na aquisição de mais de 1000 aviões de instrução ao longo de uma longa história. Quem começou isso tudo foi Assis Chateubriand, um visionário que na década de 30 e 40 fundou a maioria dos aeroclubes que estão aí, e que por sua vez, foram os responsáveis por garantir um mercado de trabalho para brasileiros. Não podemos jogar isso fora. É interessante destacar que não há brasileiros voando na American Airlines, Air France, JAL, Alitalia, British e outras. Brasileiro que voa lá tem dupla cidadania, exatamente como acontece por aqui. Pra voar aqui tem que ter passaporte brasileiro.
Esperando ter sanado as dúvidas e deixado claro que trabalho para um Brasil melhor, agradeço e coloco-me à disposição.’

Finalizando, prezado deputado, não ha dúvidas de que o senhor esteja trabalhando para um Brasil melhor. Os pilotos, num trabalho de formiguinhas fazem o mesmo. Na cabine de passageiros ou nos porões de carga os aviadores brasileiros transportam riquezas, conhecimento, sonhos, reduzindo distâncias e fazendo o mundo girar mais rápido.

Espero ter mostrado de forma clara e lógica que precisamos sim do know-how e investimento estrangeiro. É justo que instituições de ensino aeronáutico brasileiras que investiram na área de formação possam ter o retorno esperado. É justo também que os jovens brasileiros que um dia investiram pesadamente na formação aeronáutica possam também garantir o sustento de suas famílias.

Desculpe a longa mensagem, mas acredito que a relevância do assunto merece uma discussão mais ampla.

Atenciosamente,

Cmte RF
"


Nenhum comentário:

Postar um comentário